Coca-cola ou pepsi?

A política não interessa hoje ao comum dos mortais nem ao cidadão comum. Ora, não vendendo a política, os políticos para se venderem têm que vender outra coisa qualquer. Vendem a imagem e uma ou outra frase feita, lugares comuns, o mais das vezes de uma confrangedora falta de gosto. As campanhas eleitorais vivem disto. O mercado político funciona da mesma forma que o mercado económico. Causou algum escândalo no passado o facto de um então director de televisão, Emídio Rangel, da sic, ter declarado qualquer coisa como: "um canal de televisão tanto vende um sabonete como um presidente". A verdade é que nem é preciso pôr a televisão ao barulho. Um político vende-se da mesma forma que se vende um sabonete, já sem referir o caso de que há sabonetes bem melhores do que muitos dos mais bem vendidos políticos. Trata-se de dar às pessoas o que elas querem, fazendo-as querer o que queremos que elas queiram. É um mercado pouco regulado, é certo. Se um consumidor se sente defraudado com um produto, pode sempre reclamar ou fazer queixa à DECO. Já um eleitor, descontente com o produto que comprou, dificilmente pode fazer alguma coisa. Tem quase sempre que esperar no mínimo quatro anos, para tentar adquirir um produto novo. E tal como no mercado económico, onde as grandes empresas, acabam por sufocar, com os seus produtos, a existência de produtos alternativos, economicamente viáveis, também no mercado político, os grandes partidos acabam por reduzir a diversidade da oferta. Tal como quem bebe coca-cola ou pepsi tem alguma dificuldade em dar pela diferença, embora haja quem jure que a diferença existe e é fácil dar por ela, também os principais produtos disponíveis no mercado, com a marca dos partidos dominantes, acabam por mal se distinguirem uns dos outros. Coisa de gosto pessoal, ou, como tantas vezes acontece com a pepsi e a coca-cola, quando uma falta, bebe-se da outra.

Como um gesto de ternura

Gostava de escrever com música. Que houvesse uma música qualquer nas minhas palavras. Que a folha branca fosse uma pauta na qual disponho as notas, agora palavras. Gostava que quem me lesse ouvisse a música. Uma música suave, longínqua, quase inaudível. Imagino que é isso que procuro quando escrevo. Uma música qualquer que me ajude a continuar. Que me ensine a escolher as palavras certas. Gostava que essa música surgisse devagar, ao ritmo da escrita, na melodia da leitura. Que se instalasse de forma imperceptível. Que diluísse quem escreve, que entrasse no sangue de quem lê. Suave, como um gesto de ternura.

No toys for the boys

Estamos muito preocupados com a avaliação da função pública. Preocupa-nos que as chefias não avaliem os seus funcionários. Já não nos parece preocupar o facto dos funcionários não avaliarem as chefias. A nossa função pública precisa de reforma, sem dúvida, mas a reforma de que mais precisa é de uma reforma democrática. O problema dos nossos funcionários públicos não é serem privilegiados, como se diz, é serem submissos, como raramente se diz. Os novos sistemas de avaliação e de contratação não parecem vir resolver esta situação; pelo contrário, ameaçam intensificá-la.

Parece estranho que se ache normal que crianças avaliem professores e não se ache normal que adultos avaliem os seus superiores hierárquicos. Ainda mais quando os próprios governantes são avaliados pelos eleitores. Mas talvez entre essas crianças e esses eleitores, contas feitas, a diferença não seja grande.

A ilusão do centro

Os nossos partidos do centro são partidos de direita disfarçados de esquerda. Um que se diz socialista, outro que se diz social-democrata. Tivéssemos nós tido uma ditadura de esquerda, em vez da ditadura de direita que tivemos, e os nossos partidos do centro seriam provavelmente partidos de esquerda disfarçados de direita. Em ambos os casos funcionariam como sempre funcionam os partidos do centro: prometendo em teoria o que iludem na prática, iludindo na prática o que prometem em teoria.

A ilusão socialista

Uma senhora, já de certa idade, sentada numa mesa de café junto à minha, lamenta-se. Às tantas dispara: "Maldito socialismo! Maldito Governo!" O Governo sei eu qual é. O socialismo é que não sei qual seja.

Alice do cabelo aos caracóis

Alice em pequena tinha os cabelos aos caracóis. A mãe penteava-a com persistência. Que cabelo encaracolado é cabelo despenteado. Alice sofria. Gritava. Às vezes chorava. Aquelas manhãs eram uma tortura. Mas a criança havia de ir penteada para a escola. Que isto uma filha é a cara da mãe. E o cabelo da mãe era quase liso. Fora ondulado na infância, mas as ondas acalmaram-se pelo abuso do pente. A mãe da mãe de Alice também se chamava Alice. E nas poucas fotografias que dela havia, Alice nunca a chegou a conhecer, a senhora, mesmo já de idade, tinha ainda um cabelo farto, todo aos caracóis. Alice tinha a quem sair. Saía à outra Alice. A avó que não conheceu. Hoje Alice tem o cabelo apenas ondulado, como a mãe tinha em criança. Os caracóis perderam-se com a infância e Alice hoje só os reencontra em velhas fotografias. Suas e da avó que nunca conheceu.

Virtude

A maior virtude de uma pessoa virtuosa não é ter poucos defeitos, mas saber que tem muitos.

O último socialista

Durante muito tempo o partido socialista iludiu-nos com uma retórica de esquerda. Agora que o partido socialista perdeu a retórica, já não temos desculpas nem justificação para a nossa ilusão. O partido socialista quis convencer-nos que não haveria alternativa de esquerda sem o partido socialista. Sabemos hoje que o contrário é que é provavelmente verdadeiro. Não haverá alternativa de esquerda com o partido socialista. De certa forma, António Guterres foi o último socialista. A sua retirada foi igualmente a retirada do socialismo. Não no sentido em que Guterres fosse um exímio representante do socialismo, mas na medida em que foi o último representante do último reduto de socialismo que então restava no partido socialista: o catolicismo.

Diferença e repetição

Tudo em mim é imitação, ou pouco mais do que isso. Vou imitando, melhor ou pior, e melhor ou pior imaginando que sou original. E afinal os passos que dou, já por outros foram dados. E as palavras que digo, tantas vezes já foram ouvidas. O que de novo trazemos ao mundo não é tanto isso que imaginamos trazer mas o imaginarmos que alguma coisa de novo trazemos. E afinal até nisso somos iguais a todos os mais, que não sabendo que repetem, fazem outra vez como se a primeira fora.

Esquerda, direita, volver

Se a cruz que se coloca no boletim de voto, de alguma maneira, nos define politicamente. Então suponho que sou de esquerda. Digo isto, tendo em conta que me parece quase impossível alguma vez votar no partido socialista. Nos partidos à direita deste também me parece difícil, embora menos impossível do que votar no dito socialista. Não compreendo aliás, é mesmo coisa que me ultrapassa, porque raio as pessoas que são, ou se imaginam, de esquerda, e votam no dito socialista, não concebendo votar à sua esquerda, não passam a votar no partido dito social democrata. Se calhar é porque são de direita.

O mundo perfeito ao arrastão

De toda a blogosfera, incluindo a que não conheço, há dois blogues a que sou absolutamente fiel, e que se tornaram para mim leitura obrigatória. O mundo perfeito e o arrastão.

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Este blog ou é egocênctrico ou é uma tentativa de transformar jctp em "marca". Ou é outra coisa qualquer. O tempo o dirá. Que é sempre o tempo quem estas coisas decide. Ou ajuda a decidir. Estas e todas as outras.